ARTIGO
Neste texto de hoje que faço inaugurando nosso novo espaço, em “A Notícia”, a indecisão me dominou. Tinha muitos planos para escrever sobre assuntos de grande relevância ocorridos nos últimos dias e carentes de abordagem.
As denúncias de violência policial no bairro Aventureiro, por exemplo, que assustam a comunidade; a bela decisão de João Marcos Buch que relaxa um flagrante diante da incapacidade do Estado de dar conta de sua obrigação; o debate instalado sobre a precariedade das instalações do regime semiaberto que atenderá às unidades prisionais de Joinville, denunciadas pelo presidente do Conselho Carcerário, o psicólogo Nasser Haidar Barbosa, que servem apenas como novas celas de encarceramento; e mais e mais.
Porém, quedei-me inerte diante da morte de José Saramago. Não pelo evento de morte, mas por seus 87 anos de vida poética, irreverente e inconformista. Marxista convicto, como destacou Ana Ribas em sua crônica do último sábado, soube como poucos transpor para a literatura as dores e as verdades da humanidade.
São 87 anos dedicados à tarefa revolucionária de alertar ao mundo o quanto esta civilização despreza a vida em toda sua plenitude. Fico feliz pelo privilégio de me reconhecer, humildemente, em um legado que diz respeito a todos os povos e, melhor, transcende a morte. Morrer não é o problema se, como ele, é capaz de disseminar ideias, prosear acerca de ideais, sem sucumbir às pressões daqueles que acham que o mundo existe apenas para atender aos mesquinhos interesses de seus umbigos.
Saramago vive, como vive Violeta Parra, Frida Kahlo, Chico Mendes, Pablo Neruda, Bertolt Brecht e tantos outros e outras que ao longo de suas vidas e no limiar da própria morte permaneceram clamando por uma sociedade justa, igualitária, sem explorados e exploradores.
Para pessoas como ele, não existe morte, pois suas palavras ficam gravadas nas mentes e nos corações daqueles que também lutam por justiça social e sabem que, algum dia, teremos mais. Teremos tudo o que merecemos e que é nosso por direito, já que os oprimidos, se nem todos notaram, são a maioria e a transformação é a mola propulsora da história.
Brecht apropriadamente disse em “A Injustiça Passeia pelas Ruas com Passos Seguros”: “O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem, falarão também os dominados. Quem se atreve a dizer: jamais?”
CYNTHIA MARIA PINTO DA LUZ
- cynthiapintodaluz@terra.com.br
Advogada do Centro de Direitos Humanos de Joinville
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