segunda-feira, 28 de março de 2011

Crianças e adolescentes em situação de rua não têm direitos fundamentais garantidos

Por: Daniella Jinkings, da Agência Brasil


Brasília -  Direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação e higiene pessoal, reconhecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda não foram garantidos para as crianças e os adolescentes em situação de rua no país. De acordo com o censo da  Secretaria de Direitos Humanos (SDH), 13,8% dos jovens não conseguem se alimentar todos os dias.
A pesquisa aponta que a maioria das crianças e adolescentes em situação de rua não tem documentos (64,8%). Cerca de 54,2% não têm carteira de identidade e 79,8% não têm o Cadastro de Pessoa Física (CPF). A certidão de nascimento é o documento mais comum entre os jovens - 78,1% foram registrados ao nascer.
Cerca de 76% das crianças e adolescentes em situação de rua declararam não ter problemas de saúde. Entre os problemas mais recorrentes para 7,9% dos entrevistados, estão aqueles relacionados ao aparelho respiratório (50,9%) e alergias (7,3%). Quando doentes 30,2% procuram em primeiro lugar a família, 26,5% responderam que procuram primeiramente o posto de saúde e 20,5% a emergência dos hospitais.
A educação também é um problema grave entre os jovens em situação de rua. A maioria não sabe ler e escrever (76,7%) e 12,3% sabem apenas assinar o nome. A maior parte das crianças e adolescentes em idade escolar que se encontra em situação de rua não estuda atualmente (56,3%).
Os dados da pesquisa indicaram a existência de preconceito e discriminação em relação a esse grupo. De acordo com os resultados, 36,8% das crianças e adolescentes entrevistados já foram impedidos de entrar em algum estabelecimento comercial, 31,3% de entrar em transporte coletivo, 27,4% de entrar em bancos, 20,1% de entrar em algum órgão público, 12,9% de receber atendimento na rede de saúde e 6,5% já foram impedidos de emitir documentos. Ao todo, as situações descritas afetaram metade (50%) dos entrevistados.
Segundo a SDH, o período de coleta de dados foi de 10 de maio a 30 de junho. A análise dos dados e a elaboração do relatório final foram concluídos em agosto de 2010 e os resultados finais apresentados ao Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) no dia 17 de março. 

domingo, 6 de março de 2011

Silvio Santos e a farra com o dinheiro público

Rafael Prata 

Para entender o rolo do Banco PanAmericano, cuja conta quem está pagando, é você!
 
A novela do Banco PanAmericano está longe do fim e recentemente novos episódios vieram a público. Descobriu-se que a fraude no banco é maior do que a inicialmente calculada. A Caixa Econômica Federal (CEF) vai injetar ainda mais dinheiro na instituição e os bens dados como garantia por Silvio Santos foram liberados porque um novo comprador entrou na jogada: o Banco BTG Pactual. Veremos que, nessa verdadeira farra com o dinheiro público, os banqueiros se ajudam a si mesmos e quem paga a conta são os trabalhadores!


Silvio Santos e o papel da ideologia burguesa

A imagem do empresário e apresentador de TV, Silvio Santos, sempre foi associada à de um homem pobre e trabalhador que, por seu esforço e inteligência, passou de camelô a milionário. Esse tipo de história serve para alimentar a ilusão no povo de que é possível ficar rico, mesmo nascendo pobre, bastando apenas ter vontade e ambição. Também alimenta a idéia de que o capitalismo é um sistema justo, pois apesar das dificuldades “naturais” da vida, oferece oportunidades para todos, basta – claro! – saber aproveitá-las.

Essa ideologia é típica da burguesia que busca, dessa forma, dissimular a realidade, transformando a exceção em regra. Afinal, os milhões de camelôs brasileiros nunca serão mega-empresários, por mais que se esforcem e acreditem nisso. Não porque o povo é burro e não têm competência para o “mundo dos negócios” e sim porque a riqueza de poucos é a miséria de muitos. Essa é a regra.

Por falar nisso, em todo esse esquema, a felicidade e o sucesso são considerados como recompensas pelo esforço individual travado na concorrência com os demais indivíduos e, por outro lado, a tristeza e o fracasso como falta de sorte e incompetência do sujeito que não soube alcançar a vitória. A vida em sociedade, na verdade, torna-se uma grande competição, onde é necessário derrotar o rival, seja para sobreviver, seja para vender mais, para conseguir uma vaga na faculdade ou um emprego.

Mas, as condições de vida em comum de grande parte da população nos bairros pobres e, principalmente, as condições de exploração nos centros industriais desenvolvem na classe trabalhadora um sentido que contradiz essa idéia individualista.

Se é necessária a união e a coordenação de esforços individuais para produzir um bem, por exemplo, também é para sair da situação injusta em que a maioria se encontra. Essa é a base material em que se apóia a solidariedade de classe, que se expressa de maneira mais ardente nas grandes lutas sociais do povo trabalhador.


O rombo

Em fevereiro o Fundo Garantidor de Crédito destinou mais R$ 1,3 bilhão ao Banco PanAmericano porque uma nova auditoria constatou que o rombo, causado por inúmeras fraudes financeiras, é ainda maior do que o calculado pelo Banco Central no final do ano passado. Esse dinheiro se soma aos R$ 2,5 bilhões já emprestados ao Silvio Santos em novembro/2010. Como garantia, o animador de auditório, ofereceu parte do patrimônio do SBT e outras empresas.


Oiê! Quem quer dinheiro?

Dois grandes movimentos foram responsáveis por salvar o Banco PanAmericano: a compra realizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) em 2009 de 49% das ações com direito a voto na instituição e o empréstimo (em duas etapas) de quase R$ 4 bilhões feito pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Assim, o FGC assumiu definitivamente o lugar do Proer, um programa criado na época do Fernando Henrique Cardoso para, justamente, salvar os bancos com problemas. De 1995 a 2001 (ano em que o programa foi encerrado), o Proer destinou mais de R$ 45 bilhões para resgatar bancos que quebraram. O dinheiro do Proer vinha do Banco Central e o caso mais exemplar foi o do Bamerindus, que recebeu bilhões para pagar credores, mas deixou na mão milhares de pequenos poupadores.

Em 2008, durante a crise financeira, Lula elogiou o Proer, mas ao invés de criar um programa semelhante, operou uma metamorfose no FGC. Afinal, o objetivo original desse fundo é o de garantir que os correntistas e depositantes de bancos que viessem a quebrar pudessem sacar e resgatar suas aplicações, no valor de até R$ 60 mil por pessoa – coisa que nunca aconteceu, no entanto.

O patrimônio do FGC é formado por contribuições compulsórias dos bancos. Todo mês, as instituições financeiras calculam o saldo médio de todo tipo de depósito e transferem o equivalente a 0,0125% desse volume na conta do FGC.

Mas, segundo o próprio diretor executivo do FGC, Antonio Carlos Bueno, existe uma fonte de receita bem maior: “Arrecadamos R$ 150 milhões por mês, mais R$ 200 milhões de receita financeira com título público federal”. Quer dizer, foi o povo que ajudou a pagar a fatura do PanAmericano, mesmo quem não tem conta em banco, pois o dinheiro usado no resgate é dinheiro público vindo da CEF e do Tesouro Nacional!

Os trabalhadores têm que ficar espertos, porque está aberto o precedente para que mais bancos sejam salvos com dinheiro público, que deveria ser usado, por exemplo, para salvar a educação e a saúde!


A Caixa Econômica Federal

Com o estouro da crise financeira em 2008, uma das medidas adotadas pelo governo Lula foi a de orientar os bancos públicos (BNDES, BB e CEF) a correr riscos maiores para elevar o volume de crédito em circulação.

Mas, para isso, os próprios bancos públicos precisavam se fortalecer. O BNDES contou com um aporte do caixa do Tesouro Nacional, o BB comprou 50% da BV Financeira, pertencente ao Grupo Votorantin do empresário Antônio Ermírio de Moraes e a CEF, além dos subsídios governamentais recebidos para o programa “Minha Casa, Minha Vida”, comprou 49% das ações com direito a voto do Banco PanAmericano.

Evidentemente, não houve nenhuma orientação “estatizante”, muito menos “social” nessas medidas. Trata-se de fazer valer a lógica do mercado, onde o maior engole o menor e, ainda por cima, com o patrocínio do governo. Antônio Ermírio de Moraes e Silvio Santos agradecem até agora o socorro dado pelo poder público aos seus negócios...

Quando a CEF comprou o PanAmericano, pagou R$ 750 milhões e meses depois, revelou-se a fraude. Aliás, a fraude só veio à tona em novembro de 2010, logo após as eleições presidenciais (claro, pois imagine se isso estoura em pleno segundo turno, como a Dilma iria se safar?), mas o Banco Central já desconfiava de que algo estava errado em 2007, quando em uma auditoria extra percebeu indícios de fraude e abriu uma investigação.

A direção da CEF ao comprar o PanAmericano em 2009, no mínimo, deveria se atentar seriamente para a saúde financeira da instituição antes de fechar o negócio. Quando um trabalhador vai comprar um carro usado, por exemplo, ele leva o veículo para ser vistoriado por um mecânico de sua confiança, mesmo que o carro à venda seja de um amigo ou parente. A CEF contratou uma auditoria “meia-boca”, confiou no Silvio Santos e deu no que deu: um rombo bilionário!

(Mas, atenção! Como explicamos, o que está por trás desse comportamento da direção da CEF é a política do governo Lula de socorrer os bancos para evitar um abalo no sistema financeiro nacional, sob o contágio da crise mundial).

Depois disso, a CEF resolveu entrar de cabeça na administração do negócio, com profissionais dos mais gabaritados e caros de sua estrutura e, agora, anunciou mais R$ 8 bilhões para sanear o PanAmericano “no médio e longo prazo”...


O BTG e o pacto dos banqueiros

Na lógica do mercado, quem compra algo desvalorizado e depois vende valorizado, ganha muito dinheiro. Por isso, para os banqueiros, essa era uma boa hora para comprar o PanAmericano. Depois de toda ajuda que recebeu, o banco já não está tão ameaçado, mas encontra-se desvalorizado e seu dono tem o interesse em vendê-lo.

É aí que entra o Banco BTG Pactual, do banqueiro André Esteves. Ele ofereceu R$ 450 milhões e levou pra casa 51% das ações com direito a voto do Banco Panamericano. Com R$ 300 milhões a menos do que a CEF pagou, adquiriu o controle acionário da companhia e tem até 17 anos para pagar!

O acordo envolveu também a transferência de obrigações frente ao FGC. Segundo o jornal Valor Econômico, “pela engenharia montada, Silvio Santos conseguiu quitar essa dívida com o FGC apresentando ao fundo o recebível de 17 anos dos mesmos R$ 3,8 bilhões que tem contra o BTG Pactual. O BTG, na prática, passa a dever ao fundo garantidor. Mas a conta parece não fechar, porque os R$ 3,8 bilhões são desembolsados pelo FGC no presente, enquanto o recebível do BTG tem valor presente de apenas R$ 450 milhões. Por esse raciocínio, o FGC parece estar pagando a maior parte do rombo”.

Por trás desse acordo, encontra-se um pacto entre os banqueiros, pois BB, Itaú e Bradesco, além de serem os maiores controladores do FGC estão envolvidos no rolo do PanAmericano. Afinal, a fraude consistia na venda de carteiras (“direitos creditícios”) a outros bancos, mas que continuavam contabilizadas como ativos do PanAmericano ou então na venda de uma mesma carteira a bancos diferentes, inflando assim os resultados e deixando um monte de dúvidas no ar: se as carteiras realmente existem, quem é que fica com os direitos creditícios, etc. E assim, os rentáveis fundos de investimento do PanAmericano transformaram-se em “ativos podres” e o medo do contágio tomou conta do sistema financeiro nacional.

Por isso, dias antes do acordo entre o BTG e Silvio Santos, “Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco, e Roberto Setubal, controlador e presidente do Itaú, foram pessoalmente à sede do FGC, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, para discutir o novo resgate do PanAmericano, em encontro de cerca de duas horas e meia”, informa o jornal Valor.

Como se vê, quando a situação aperta, os banqueiros se ajudam mutuamente para preservar seus interesses, claro, tudo feito com dinheiro e apoio do governo federal.


Estatização dos bancos sob controle dos trabalhadores

Um trabalhador do BB fez o seguinte comentário a respeito dessa farra dos banqueiros: “É aquela velha história, quando lucra, vai para o bolso do empresário; quando dá prejuízo, o contribuinte paga. Tinha é que por na cadeia os fraudadores, vender o SBT e as outras empresas para cobrir o rombo”.

Sim, mas nada disso foi feito. Mais uma vez, os banqueiros saíram ilesos e beneficiados pelo Estado, que mostra seu verdadeiro papel: ser o “comitê central de negócios da burguesia”. Aos trabalhadores, resta pagar a conta dessa folia, situação que só mudará, de fato, com uma transformação revolucionária do país.

O caso do Banco PanAmericano é emblemático para percebermos de que maneira o sistema financeiro atua para manter os privilégios da classe dominante sobre os trabalhadores e a prática parasita sobre as finanças públicas. Bilhões de reais que tanto fazem falta para a saúde e a educação, são injetados rapidamente para encobrir crimes de colarinho branco.

É preciso lutar para que os trabalhadores tomem o poder político e invertam a lógica do sistema financeiro: ao invés dos bancos usarem o Estado, o Estado usará os bancos para promover o desenvolvimento das forças produtivas e o atendimento das reivindicações populares. A estatização dos bancos sob controle dos trabalhadores centralizará o crédito nas mãos do Estado e a revolução socialista erguerá um Estado dos trabalhadores.

Lula e sua sucessora, escolheram governar em aliança com a burguesia, por isso, são tão solícitos aos banqueiros. Já com as centrais sindicais, o governo Dilma prefere atacá-las e empurrar goela abaixo um reajuste medíocre do salário mínimo. Quer dizer que injetar dinheiro nos bancos pode, já para os trabalhadores, não pode? Esse, com certeza, não é o “rumo certo”.

* Rafael Prata é jornalista, trabalhador bancário e membro do Diretório Municipal do PT de Campinas.