segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ocupação ou invasão


por Cynthia Maria Pinto da Luz - (PUBLICADO NO JORNAL A NOTÍCIA EM 20/07/2011)
Existe diferença entre ocupar um lote e invadir um lote de terra? Para muitas das pessoas incluídas nesse modelo de sociedade, a resposta é: não, é crime contra o patrimônio! É claro, para a minoria que detém o poder econômico, a ordem é proteger o patrimônio, seja ele público ou privado.

Essa visão não é gratuita. Ela se deve ao medo de colocar em xeque o sistema instituído e ameaçar o patrimônio e os lucros daqueles que acumulam riqueza para si, expropriando dos direitos e benefícios alheios. E, de fato, mudar essa visão representa avançar no enfrentamento desse modelo desigual.

Qualquer mãe que, com crianças pequenas, adentra um lote em condições extremamente insalubres e levanta um barraco de lona preta ao lado de uma vala aberta, sujeitando-se ao frio intenso, às chuvas e a todo infortúnio que a situação trará, não o faz por dolo ou má-fé. Pratica o ato por falta de opção, porque sempre enfrentou problemas, dificuldades e a miséria. Isso porque faz parte de uma parcela significativa dessa população submetida a um sistema no qual a exclusão persistirá enquanto ele existir. Daí, ocupar ou invadir não faz diferença para quem espera por mais de uma década na fila de um programa habitacional e não tem outra opção senão esperar e esperar. Pode fazer diferença para o proprietário, mas não para os necessitados.

A ocupação desordenada e injusta dos centros urbanos, que historicamente privilegiou a especulação imobiliária e os interesses de loteadores e proprietários, obrigou a população empobrecida a viver onde as propriedades são mais baratas exatamente por serem carentes em infraestrutura urbana, em flagrante desrespeito ao direito humano à moradia.

O direito humano à moradia é um direito fundamental, garantido constitucionalmente, que necessita ser implementado por meio de políticas públicas habitacionais sólidas, como modo de amenizar as históricas diferenças sociais no País, garantindo o bem-estar de todos e todas e a preservação do meio ambiente. Assim, na adversidade e na falta de compromisso do poder público, quando nem mesmo nas periferias é possível morar, é que as pessoas ocupam terras sistematicamente. Configura-se aqui o estado de necessidade.

No episódio da ocupação do Loteamento Rosa, é possível tratar a situação com um mínimo de qualidade política. É preciso identificar essas 200 pessoas que lá estão e verificar quais delas se enquadram nos critérios de atendimento da política habitacional do município, quais famílias se encontram em situação de risco e necessitam de atendimento. Tratar diferente os diferentes, porque são seres humanos. E a desocupação forçada de pessoas que ocupam a terra para garantir um lugar para morar é crime, é crime contra a vida!

cynthiapintodaluz@terra.com.br
ADVOGADA DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE JOINVILLE

sábado, 16 de julho de 2011

Escutas ilegais e regulamentação da mídia

Publicado em 15-Jul-2011 
O escândalo das escutas ilegais do jornal britânico News of the World, cuja última edição circulou domingo passado, estarreceu apenas aqueles que não conhecem o funcionamento da imprensa, assim como quem jamais ouviu falar nos métodos nada ortodoxos do magnata da mídia Rupert Murdoch. 
E é ingenuidade acreditar que isso só acontece bem longe do Brasil, em terras que, supostamente, gozam da absoluta liberdade de expressão, de imprensa e de opinião, como a Inglaterra. Da mesma forma como é infantilidade pensar que somente códigos de ética dos jornalistas serão capazes de regular os limites de atuação dos veículos de comunicação. 
“O negócio do News of the World é chamar os outros à responsabilidade. Mas o jornal não foi capaz de agir assim com relação a si mesmo”, admitiu James Murdoch, vice-diretor de operações da News Corporation. 
As categorias profissionais, sem exceção, são corporativistas. Não olham para si próprias e têm imensa dificuldade em tratar os iguais como. É nesse vácuo que o Estado tem que estar presente, não impondo barreiras ao funcionamento dos veículos de comunicação, mas limites de atuação. 
O episódio do News of the World, que fechou suas centenárias portas por vergonha da sua atuação e para proteger a ex-editora-responsável, Rebekah Brooks, mostra a dimensão do estrago causado pela falta de ética, de respeito, de desprezo pela privacidade, de abuso da liberdade. 
O lado didático dessa crise é que os críticos da regulação da mídia têm a chance de fazer uma reflexão sobre a demonização que impuseram ao assunto, resultado da precipitação e da falta de profundidade nas discussões. Confundiram conceitos deliberadamente, sobretudo misturando-os aos da censura. 
Já tinha mostrado o quanto é maléfica a exacerbação partidária da mídia em um post no meu blog, em 11 de julho, quando expus a campanha desfechada contra a presidenta, Dilma Rousseff. Nem mesmo pesquisas de opinião, sejam regionais ou nacionais, ficam a salvo da manipulação. Alguns barões da imprensa acreditam que podem empurrar goela abaixo da opinião pública uma aritmética cujo resultado somente eles sabem qual é.  
Daí a razão de ser necessária uma força contrária à atuação dessas elites, acostumadas a impor princípios, a ditar padrões, a fazer regras. E essa força contrária somente um governo forte e respaldado pelo povo, como foi o de Lula e agora é o de Dilma, tem a possibilidade de executar. 
O desaparecimento do News of the World foi lamentado apenas por quem o fazia. Experimentem passar para o outro lado da cerca e ficar na posição das suas vítimas. Vão ver que o tablóide não deixará viúvas, como atesta boa parte do noticiário que se seguiu ao fim da publicação, que saúda seu desaparecimento. 
Para corroborar tudo aquilo que disse, agora mesmo o Sunday Times está sendo acusado de bisbilhotar, com escutas telefônicas ou até mesmo com detetives, o ex-premiê britânico Gordon Brown. Sinal de que era procedimento padrão na News International, que edita o jornal dos Murdoch no Reino Unido.  
Temos a oportunidade de aprender com esse mal-estar no jornalismo britânico, modificando comportamentos e criando legislações específicas em solo brasileiro. Precisamos levar adiante e a sério as propostas de regulamentação da mídia, sob pena de arriscarmos os direitos do cidadão e as liberdades individuais. Num Estado Democrático de Direito, não há poder absoluto, nem deve haver.  
Para além da valorização da produção regional e do combate à concentração de mercado, regulamentar o funcionamento da mídia é garantir que o setor atue com responsabilidade. Como se vê no atual caso no Reino Unido, essa é a única maneira de avançarmos com liberdade e respeito aos cidadãos.  
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT