segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Direito ao aborto na ONU


por Cynthia Maria Pinto da Luz*


A nova ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci, assumiu o cargo e já foi chamada a manifestar sua opinião sobre o aborto. O lobby da bancada religiosa do Congresso, que trata a questão como um problema de moralidade e não de saúde pública, cobrou uma posição sobre o assunto.

Claro que as entidades de defesa dos direitos reprodutivos da mulher não deixaram por menos e vieram a público exigir a implantação das diretrizes das conferências nacionais de políticas para as mulheres, cobrando avanços. A última, em 2011, reafirmou a reivindicação histórica de descriminalização do aborto.

Em 2005, a Secretaria de Políticas para as Mulheres elaborou projeto de lei propondo a descriminalização, porém, o debate não avança no Congresso. Pelo contrário, tramitam outros projetos que propõem criminalizar mais fortemente mulheres levadas ao abortamento inseguro.

A lei pune o aborto com penas variando entre um e três anos de prisão para a gestante e de um a quatro anos para o médico. Apesar da legislação repressiva, os abortos praticados em condições precárias são a quarta causa de morte das mulheres brasileiras, índice três vezes maior no caso das mulheres negras e com baixa escolaridade.

A última Conferência de Mulheres trouxe dados que exigem rápidas mudanças na legislação: no Brasil, é praticado um milhão de abortos anuais, apenas 3.230 de maneira legal. Cerca de 250 mil hospitalizações são registradas devido às complicações, e estatísticas demonstram que uma em cada sete mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos já abortou pelo menos uma vez na vida.

As entidades denunciam que as mortes e sequelas causadas pelos abortos não recebem a atenção devida do Estado e da sociedade.

Eleonora Menicucci debaterá o problema no Comitê das Organizações das Nações Unidas (ONU) para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, nesta semana, em Genebra, na Suíça. Relatores independentes do comitê destacam que, “levando em conta os riscos e consequências do aborto inseguro e suas complicações, trata-se de um grave problema de saúde pública que afeta principalmente as mulheres jovens do País”.

A ministra, apesar de já haver expressado posição favorável à descriminalização do aborto, após a posse declarou que “... a minha posição pessoal a partir de hoje não diz respeito, não interessa”. E tem razão, não interessa mesmo ao debate a opinião ou opção pessoal de cada um, mas sim a falta da política pública praticada pelo Ministério da Saúde que, por meio do SUS, ajude as mulheres a se livrarem dessa condição de violência.

Nesse contexto, fica claro que a mulher não faz a opção pelo aborto, é o aborto que faz a opção pela pobreza.

cynthiapintodaluz@terra.com.br
*ADVOGADA DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE JOINVILLE

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Youssef, o egípcio

Elaine Tavares. Jornalista - Palavras Insurgentes






Os sonhos que 

se fazem bem


longe daqui...
No primeiro dia foi como mágica. Entramos no quarto depois de uma longa jornada peregrinando pelos templos dos deuses antigos do Egito e ali estava, sobre a cama, um cisne, todo moldado em toalha. Era a imagem de Tot, um deus protetor. No segundo dia, mais caminhadas pelo velho Egito, dos faraós e dos sacerdotes. E, de novo, ao abrir a porta do quarto, ali estavam as toalhas, dobradas em outro desenho esplendoroso. Era um elefante, e a pessoa havia chegado ao preciosismo de colocar duas folhas negras no lugar onde deveriam estar os olhos. Era uma coisa delicada e bela. Desconfiei de que haveria de ser uma criatura mágica que deixava tudo assim, já que no Egito certamente não haveria Saci.
No terceiro dia chegamos mais cedo e surpreendemos um garoto que fazia a limpeza dos quartos. Seu nome: Youssef. Tentamos conversar, mas ele não entendia. Pediu, através de sinais, que esperássemos um pouco para entrar. Esperamos. Em cinco minutos voltou, sorridente, fazendo o sinal de positivo. E sumiu pelos corredores. Entramos e ali estavam as toalhas, penduradas no teto como se formassem um macaco. E havia um detalhe especial. Ele ainda pegara meu casaco e meus óculos, dando ao macaco de toalhas uma aparência descolada. O guri era um artista.
Youssef é um desses garotos egípcios que fizeram a revolução, cheio de desejos de vida boa e bonita para toda a gente. Nascido em um pequeno povoado da região de Assuam ele desde cedo precisou batalhar duro para que a vida fosse melhor. Hoje, com 21 anos, trabalha como camareiro em um pequeno barco que carrega viajantes pelo Nilo afora. Mas, no seu peito de garoto pulsa um coração artista que precisa de espaço para se expressar. Então, ele vai trabalhando com as toalhas, encantando os passageiros com suas surpresas. Faz tudo no silêncio das manhãs, quando todos estão fora, desfrutando da vida. Muitos sequer percebem a obra de arte que foi ali construída com tanta sensibilidade e perfeição. Ele não se importa, faz porque gosta. Quando vê que alguém gostou, se esmera mais e usa os pertences das pessoas para incrementar as figuras. Sorri como menino, encantado que tenham se encantado.
Youssef faz parte de um exército de jovens que já não quer mais o Egito que se fazia apenas para poucos. Ele quer fazer universidade, criar outras coisas, inventar novas artes. Ele quer formar uma família, viajar, conhecer o estrangeiro. Não esteve naqueles dias de janeiro de 2010 na Praça Tahir, mas fez sua parte onde estava, às margens do grande rio. Como todos os demais que foram às ruas naquele então ele sonha com um país novo, de riquezas repartidas. Faz parte dos 67% que hoje estão entre os 18 e os 40 anos, dos que querem mudanças, a nova geração do Egito.
Assim, entre o ir e vir pelas águas do Nilo, Youssef fabrica sonhos e também sonha, debruçado sobre o convés. Sorriso de anjo, cara de menino e coração de criança, esse jovem da região núbia já aprendeu que a vida pode ser dura, mas que a luta também pode fazer acontecer o novo. Por conta disso, no último dia, ele deixou no quarto um sapo. Bicho que pula, que vai longe, que transpassa as fronteiras do possível. Assim ele haverá de fazer, com seus companheiros de geração, saltando sobre as pedras do seu amado Egito, em busca do grande meio-dia.
E nós, partimos, com a sensação de que, às vezes, um menino inventando bichos com toalhas é o que basta para encher o coração de alegria. Foi como uma doce dádiva dos deuses. Youssef e seus delicados presentes.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O que pensa a Prefeitura


por Cynthia Maria Pinto da Luz*



A audiência pública realizada na segunda para tratar do sistema de transporte coletivo, sob a coordenação da Comissão de Estruturação do Processo Licitatório, foi um momento muito tenso e de sérias dificuldades. O que se pôde perceber é que a comissão não fala a língua dos usuários, entidades e lideranças de bairro. As intervenções feitas pelo plenário evidenciaram um clima de insatisfação com as decisões da comissão e com a condução do processo. Era uma sensação de que alguma coisa estava faltando, apesar de a audiência pública – esperada há tanto – ter sido uma iniciativa bem-vinda.

As perspectivas são complicadas caso a comissão da Prefeitura não leve em consideração questões cruciais para garantir a execução de um processo de construção de um novo modelo para o transporte coletivo em Joinville, que efetivamente atenda às reclamações que são unânimes.

Mas alguns pontos precisam ser reavaliados e respondidos pela comissão, inclusive antes da próxima audiência, agendada para 27 de fevereiro: a) A composição da comissão precisa ser revista e admitidos como integrantes representantes de entidades interessadas, estudantes e usuários, para que tenha legitimidade. Hoje, a comissão, composta apenas pela Prefeitura, não tem o condão de lançar um olhar independente sobre a matéria; b) A contratação da consultoria também deve ser reconsiderada, na medida em que presta serviços às empresas concessionárias, portanto, deve ser substituída. Isso não reveste o processo de lisura, já que é impossível esperar independência e isenção se já há relação comercial com a parte oposta. É um princípio mínimo exigível à prática da moralidade pública. c) Necessário que a comissão reveja o número de audiências públicas a serem realizadas, já que se esperava que ocorressem nos bairros, a fim de oportunizar maior acesso ao debate. d) É preciso construir mecanismos que permitam que as pessoas possam manifestar-se sobre a preferência ou não de que os serviços públicos sejam geridos pelo poder público e não pela iniciativa privada, senão o modelo escolhido pela Prefeitura será tido como uma imposição e não fruto de um debate coletivo.

O transporte coletivo é caro, ineficiente, não atende às necessidades de estudantes, idosos e parcialmente pessoas com deficiência. A forma como está sendo conduzido o debate precisa mudar. Precisamos trabalhar conjuntamente para que não sobrevenha uma licitação cujos resultados não tragam avanços à população usuária e tudo continue igual.

ADVOGADA DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS DE JOINVILLE