domingo, 27 de junho de 2010

Poesia e esperanças

ARTIGO


Neste texto de hoje que faço inaugurando nosso novo espaço, em “A Notícia”, a indecisão me dominou. Tinha muitos planos para escrever sobre assuntos de grande relevância ocorridos nos últimos dias e carentes de abordagem.

As denúncias de violência policial no bairro Aventureiro, por exemplo, que assustam a comunidade; a bela decisão de João Marcos Buch que relaxa um flagrante diante da incapacidade do Estado de dar conta de sua obrigação; o debate instalado sobre a precariedade das instalações do regime semiaberto que atenderá às unidades prisionais de Joinville, denunciadas pelo presidente do Conselho Carcerário, o psicólogo Nasser Haidar Barbosa, que servem apenas como novas celas de encarceramento; e mais e mais.

Porém, quedei-me inerte diante da morte de José Saramago. Não pelo evento de morte, mas por seus 87 anos de vida poética, irreverente e inconformista. Marxista convicto, como destacou Ana Ribas em sua crônica do último sábado, soube como poucos transpor para a literatura as dores e as verdades da humanidade.

São 87 anos dedicados à tarefa revolucionária de alertar ao mundo o quanto esta civilização despreza a vida em toda sua plenitude. Fico feliz pelo privilégio de me reconhecer, humildemente, em um legado que diz respeito a todos os povos e, melhor, transcende a morte. Morrer não é o problema se, como ele, é capaz de disseminar ideias, prosear acerca de ideais, sem sucumbir às pressões daqueles que acham que o mundo existe apenas para atender aos mesquinhos interesses de seus umbigos.

Saramago vive, como vive Violeta Parra, Frida Kahlo, Chico Mendes, Pablo Neruda, Bertolt Brecht e tantos outros e outras que ao longo de suas vidas e no limiar da própria morte permaneceram clamando por uma sociedade justa, igualitária, sem explorados e exploradores.

Para pessoas como ele, não existe morte, pois suas palavras ficam gravadas nas mentes e nos corações daqueles que também lutam por justiça social e sabem que, algum dia, teremos mais. Teremos tudo o que merecemos e que é nosso por direito, já que os oprimidos, se nem todos notaram, são a maioria e a transformação é a mola propulsora da história.

Brecht apropriadamente disse em “A Injustiça Passeia pelas Ruas com Passos Seguros”: “O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem, falarão também os dominados. Quem se atreve a dizer: jamais?”

CYNTHIA MARIA PINTO DA LUZ 
- cynthiapintodaluz@terra.com.br 
Advogada do Centro de Direitos Humanos de Joinville

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente nossas postagens. Isso ajuda na discussão dos temas publicados. Equipe INFORMA.